Revista Científica de UCES
Vol. 29 N°1 (Enero - Julio de 2024)
ISSN Electrónico: 2591-5266
(pp. 1-10)
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DIAGNÓSTICO DE AUTISMO;
RELATO DE UN CASO VIVENCIADO EM MEIO A PANDEMIA
1
Por Gabriela Melo Carletto
2
gabicarletto@hotmail.com
Artículo recuperado de la Revista de Desvalimiento Psicosocial de UCES
ARK/CAICYT: https://id.caicyt.gov.ar/ark:/s25915266/2yjwuemyq
RESUMO
Este artigo apresenta um recorte clínico do processo terapêutico percorrido durante o
período de um ano, com uma paciente que durante este processo, recebeu o diagnostico de
Autismo. A paciente, uma mulher de 39 anos, vivenciou um profundo processo analítico,
durante o período da pandemia. Observou-se que a possibilidade de ter o espaço da escuta
clínica desenvolvida entre psicanalista e paciente, foi fundamental no reconhecimento da
própria subjetividade e a partir desta, vivenciar todas as possibilidades, independente de
quaisquer diagnósticos.
1
Artículo original recuperado de La Revista de Desvalimiento Psicosocial de UCES; Vol. 8 Núm. 2 (2021)
2
Psicanalista, Doutoranda em Psicologia pela Uces. Teóloga, Professora de Pós Graduação em Medicina
Ayurveda, Professora de Yoga. Fundadora do Instituto Pratyãhãra, realiza atendimento clinico e pesquisa na área
da Psicanalise e Yoga. Psicoanalista, estudiante de Doctorado en Psicología en Uces. Teóloga, Profesora de
Estudios de Posgrado en Medicina Ayurvédica, Profesora de Yoga. Fundadora del Instituto Pratyãhãra: realiza
atención clínica e investigación en el área de Psicoanálisis y Yoga.
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ABSTRACT
This article presents a clinical overview of the therapeutic process followed over a
period of one year, with a patient who, during this process, received the diagnosis of Autism.
The patient, a 39-year-old woman, experienced a profound analytical process during the period
of the pandemic. It was observed that the possibility of having the space of clinical listening
developed between the psychoanalyst and the patient was fundamental in the recognition of
their own subjectivity and, based on this, experiencing all the possibilities, regardless of any
diagnoses.
RESUMEN
Este artículo presenta un panorama clínico del proceso terapéutico seguido durante un
período de un año, con un paciente que, durante este proceso, recibió el diagnóstico de
Autismo. La paciente, una mujer de 39 años, vivió un profundo proceso analítico durante el
período de pandemia. Se observó que la posibilidad de desarrollar el espacio de escucha clínica
entre psicoanalista y paciente fue fundamental para reconocer la propia subjetividad y, a partir
de ahí, experimentar todas las posibilidades, independientemente de cualquier diagnóstico.
INTRODUÇÃO
Meu trabalho na clínica de psicanálise vem ao longo dos últimos anos sendo
transformado conforme avanço nos estudos e na pesquisa para meu doutorado em Psicologia.
Neste processo clínico, tenho me deparado cada vez mais com um grupo de pacientes
específicos, com Desvalimento Psíquico e que apresentam um grau importante de traços de
autismo, identificado no DSM 5, como Autismo Nível1. Estes pacientes podem apresentar
déficits na reciprocidade socioemocional, apresentando uma capacidade reduzida de
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interesses, emoções ou afeto com seus pares e familiares, demostrando dificuldade em
desenvolver e compreender relacionamentos. As dificuldades podem variar em ajustar o
comportamento para se adequar a contextos sociais diversos até apresentar anulação dos afetos,
podendo influenciar de forma determinante na subjetividade destes sujeitos, posto que a interação
com o outro, é fundamental na constituão psíquica.
Os pacientes com Desvalimento Psíquico com tros de autismo podem tamm apresentar
em suas narrativas de vida, uma constrão falha no discurso, desestruturação psíquica e emocional
quando algo acontece diferente de um roteiro próprio criado, ou anteriormente proposto, insistência
em fazer as mesmas coisas e uma adesão inflexível a rotinas. o pacientes que vivenciam de forma
intensa tudo aquilo que rege sua vida interior, porém sem a capacidade psíquica de lidar com os
processos afetivos e emocionais, e acabam represando e/ ou trasbordando esta energia psíquica de
forma inadequada, gerando crises, desconfortos e diferentes sintomas que afetam de maneira
profunda tanto o desenvolvimento enquanto criaas e adolescentes, quanto a vida em todos os seus
aspectos na fase adulta.
A formação psíquica do bebê se inicia na fase da gestação, postulada por Maldavsky, como
libido intrassotica. O self ligado a ela, o self real primitivo, teriam um papel importante no
desenvolvimento de patologias caracterizadas por alterões intracorreas, disrbios
psicossomáticos, traços de autismo,cios e outros sintomas, diferenciando algumas caractesticas
das manifestações deste tipo de demanda instintual da fase da libido intrassotica em diferentes
áreas; no estado o verbal: nas habilidades motoras, nas visuais, nas fonogicas, nos componentes
para verbais e no campo da verbal; na palavra, nas histórias, nos atos de linguagem, capacidades
olfativas e sensibilidades auditivas, ligadas aos cinco sentidos. Em relão às habilidades motoras,
o autor afirma que o indicadores desse tipo de pulsão intrassomática: golpes, movimentos que nos
mostram estados de astenia, aceleração ou desacelerão rítmica, descargas de excesso de tensão
muito presentes quando nos deparamos com pacientes com sintomatologia no desvalimento
psíquico com traços de autismo.
Os componentes fonogicos também o muito marcados; um tom de voz mais lento ou
mais acelerado, um tipo de voz sonolento ou tensa, assim como a extrema diminuão ou elevação
do volume e / ou tom, arrotos, gargarejos, sons que de alguma forma demonstram os estados
emocionais vivenciados pelo sujeito.
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A relão entre psicanálise e autismo teve seu primeiro registro a partir de Melanie Klein,
com a publicão do caso Dick em 1930. Naquela época o autismo ainda o havia sido definido
como uma entidade nosogica e, portanto, Dick, um menino de quatro anos, que apresentava
ausência da fala, falta de reciprocidade afetiva, desinteresse por brinquedos e "ensimesmamento"
recebeu o diagstico psiquiátrico de "dencia precoce". Klein, ao se deparar com tal diagstico,
observou que a criança não cumpria todos os critérios para a classificação de demência precoce e
esquizofrenia, condições diagsticas utilizadas na época para casos de crianças com a mesma
descrição comportamental de Dick (Tafuri, & Safra, 2008).
A OMS, por meio da classificação internacional da funcionalidade, recomenda que a
funcionalidade dos pacientes com diferentes condições cnicas seja avaliada considerando os
domínios cognição, mobilidade, autocuidado, interação social, atividades de vida diária e
participação em atividades comunirias (Üstün et al., 2010). Acredita-se que diferentes fatores
podem influenciar a capacidade funcional de pessoas com autismo, como a presença e a intensidade
dos próprios traços de autismo, variáveis psicológicas e sociais, como comorbidades psiquiátricas,
comportamento hiperativo e impulsivo, satisfação com a vida, a estrutura pquica, além de funções
cognitivas, como inteligência, meria, fuões executivas e fluência verbal.
METODOLOGIA
O relato que apresento faz parte do estudo de caso de uma paciente que acompanho
semanalmente um ano e dois meses. Freud nos ensinou que é por meio do relato cnico que se
fundamenta a constrão teórica em psicalise, na medida em que o caso, único, vai se
apresentando, marcado por uma subjetividade, que permanece como marca distintiva na psicalise.
Para Figueiredo e Vieira (2002), a partir do relato do caso temos um texto que já faz o recorte do
analista, com as passagens escolhidas e privilegiadas em determinado momento. O caso é o produto
que se extrai da história, das interveões do analista na condução do tratamento e do que é
decantado de seu relato (p. 28)
É importante pensar que o sujeito ao dizer sobre o seu sofrimento, vai de encontro a um
saber até eno desconhecido, que passa a ser objeto de seu desejo, e, portanto, passa a ser
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questionado em alise, para que possa partir disso, entender a função deste não saber. No caso em
relato, este o saber, diz respeito há algo que por muitos anos, foi camuflado. A ciência vem de
encontro a estudos cada vez mais recentes, a fim de criar ferramentas melhores para triagem do
autismo, mas tem se deparado com uma dificuldade cnica; conseguir caracterizar a camuflagem
com maior precisão. Em um estudo de 2017 uma equipe de pesquisadores dos Estados Unidos
ampliou esse estudo e estabeleceu uma definição com finalidade de pesquisa: “camuflar” é a
diferea entre como as pessoas parecem ser em contextos sociais e o que de fato está acontecendo
com elas em seu interior.
Conforme nos constituímos enquanto sujeitos sociais, pessoas com autismo podem
inconscientemente fazer um esforço para mascarar uma característica de autismo, que muitas vezes,
o é ainda conhecida como tal; evitar comportamentos repetitivos, falar sobre interesses
obsessivos, esconder seu hiper foco, o demonstrar suas sensibilidades sensoriais, e até fingir seguir
uma conversa ou imitar o comportamento neuro pico, pode fazer parte do que chamamos de
camuflagem.
Estudos recentes apontam que o autismo nas meninas se apresenta de forma diferente;
meninas ou mulheres no espectro autista, nem sempre conseguem perceber sinais de autismo, mas
vislumbraram um femeno que chamaram de “camuflagem” ou mascaramento”. Em alguns
estudos os pesquisadores confirmaram que a camuflagem é comum pelo menos entre mulheres com
alto quociente de inteligência (QI). Eles também notaram posveis diferenças entre sexos que
ajudam as meninas a escaparem da observão dos dicos: enquanto os meninos com autismo
podem ser hiperativos ou parecerem comportar-se mal, as meninas geralmente parecem apenas
meninas tímidas, ansiosas ou deprimidas.
Como muito mais meninos o diagnosticados com autismo do que as meninas, hoje se tem
1 menina a cada 5 meninos diagnosticados, os cnicos nem sempre pensam em autismo quando
veem meninas quietas, e com poucas dificuldades sociais. Muitas destas garotas acabam ao longo
da vida sendo diagnosticadas de forma equivocada com outras patologias, sendo medicadas e
internadas em clínicas psiqutricas, quando o que precisavam, era de uma escuta e observação
cnica mais atenta aos sinais de autismo.
Foi com algumas destas caractesticas que minha paciente chegou ao consulrio pouco
mais de um ano e dois meses. Na época ainda o havia estourado a pandemia e fazíamos os
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atendimentos semanalmente. Durante os primeiros meses a paciente apresentava um relato da sua
hisria de vida, que parecia um roteiro pré-determinado, escrito por os atentas, a cada detalhe.
Apresentava um imenso sofrimento para toda e qualquer mudança na rotina que pudesse
surgir, uma simples mudaa no caminho para o trabalho, trazia uma enorme desestrutura psíquica
emocional, vivenciados por quadros choro, crises de raiva, isolamento, até a atitudes impulsivas
como brigar, discutir e se desligar do emprego, sem que houvesse de fato algum motivo implícito.
A paciente apresentava uma forma quase que robótica de vida, ela cumpria as tarefas que deveriam
ser cumpridas; estudou, se formou, trabalhava, porém, sem se envolver de forma afetiva com
nenhuma pessoa. A função exercida se apresentava como um fardo, algo que o havia desejado,
mais sim, realizado, sem ao menos saber o porquê da escolha.
As dificuldades vinculares que a paciente apresentava eram de certa forma compensadas,
pelas super habilidades que apresentava nos estudos. Além de ter se formado em odontologia, já
havia cursado medicina anteriormente. Ela apresentava um hiper foco nos estudos, que a mantinha
socialmente aceita, sem demais problemas na parte neurológica.
O relato deste caso, me possibilitou revisitar meus estudos sobre o autismo e buscar em
outros casos clínicos que haviam passado por mim, possíveis sinais de um autismo vel 1 em
mulheres. Durante quase dois anos eu trabalhei em uma clínica psiquiatra, onde realizei o
acompanhamento terautico de dezenas de mulheres. A maioria delas estava internada com
diagnósticos de Transtorno Bipolar, Depressão, Transtornos de Ansiedade, Dependência de Álcool
e Drogas; o havia nenhum registro de mulheres diagnosticadas com autismo. Esta constatão me
faz pensar, o quanto as mulheres eso sendo subdiagnosticadas e tratadas equivocadamente ao
longo dos anos, e mais, o que este possível erro, pode estar gerando problemas a vida destas
mulheres.
No caso da paciente que trago neste relato, a suspeita de um posvel autismo, surgiu atras
de uma fala que ela trouxe em uma sessão: Hoje me deparei na minha cnica com uma mulher que
tem autismo. Ela veio para o atendimento e logo me falou que era hipersensível ao som dos
equipamentos odontológicos por conta do autismo. Eu nunca poderia imaginar que aquela mulher
linda e inteligente era autista.” A partir deste relato que podemos dizer que foi transferencial, a
paciente percebeu que ela ppria se sentia totalmente desestruturada no final de um dia de trabalho,
por conta do barulho excessivo dos equipamentos que utilizava. Foi pesquisar sobre o autismo, e a
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cada sessão passou a falar sobre a sua infância e adolesncia com outro olhar. Os relatos foram se
aprofundando e um processo de autoperceão foi submergindo durante as seses, fazendo com
que a paciente cada vez mais se percebesse como autista. Como forma de fechar um diagstico
cnico e ter um possível laudo dico, a paciente depois de um longo peodo de alise, resolveu
consultar um Neurologista para referendar sua suspeita, como de fato o fez.
Trazendo voz a Jerusalinsky que coloca em seu livro Dossiê Autismo “Tornar-se sujeito é
posvel ou impossível para um autista? Quando e quem decide isso?” Para a Psicanálise quem
decide isso é o próprio sujeito, e no caso em relato, a partir do diagnóstico, a paciente, uma mulher
adulta, iniciou um segundo processo anatico; a constituição da sua subjetividade a partir daquilo
que agora ela identificava como sendo seu. Aos poucos muitos dos processos de camuflagem que
ela costumava utilizar para se sentir inserida no meio, passaram a o fazer mais parte do seu dia a
dia. Ao reconhecer que estar só, era para ela um gozo, ela simplesmente passou a valorizar os
momentos de quietude, ao ins de se obrigar a participar de reuniões sociais que faziam se sentir
invadida, causando exaustão e fadiga sensorial. Vem repensando a profissão para poder oferecer a
outros pacientes com autismo uma experiencia menos trautica na cadeira do dentista.
Na psicalise se faz imprescindível que o analista não assuma uma postura de categorizão
dos sujeitos de acordo com as classificões diagsticas, isso porque o sujeito está em processo de
formão, desta forma, o trabalho do analista deve ir além do diagstico. A escrita terautica foi
sugerida para que a angústia gerada pelo diagnóstico tardio pudesse ser transbordada.
Bialer indica a fuão da escrita como terapêutica na vivência do autista, quando
interpretada à luz da psicanálise. Por meio da escrita, faz-se borda ao corpo, inscrevem-se as
vivências no registro simbólico de modo que a anstia seja menos real , e promove-se a entrada
do autista no lo social, por meio do compartilhamento de suas vincias.
Ampliamos as sessões para duas vezes na semana, para que um suporte terapêutico pudesse
fazer jus ao momento. Refletindo sobre as proposições que apareceram sobre o tratamento
psicanatico do autismo, pude perceber que, no artigo de Bialer, a autora propõe que o tratamento
deve ser feito com enfoque nas estratégias particulares criadas pelos próprios sujeitos, enfatizando
a necessidade do analista de valorizar as soluções singulares inventadas por cada autista e
argumentando que o analista pode potenciali-las a partir do lo transferencial. Para Bialer (2014a,
p. 6), o analista deve exercer essa potencialização por meio de uma atuão sutil, ocupando o lugar
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de um duplo o demasiadamente presente, mas que pode fazer barreira ao gozo em excesso quando
necessário. Trata-se, pois, de uma presença dócil,o invasiva, mas capaz de atos de limitação do
gozo invasivo”.
No mesmo sentido, Azevedo e Nicolau (2017) enfatizam que a clínica psicanalítica do
autismo é possível, que devemos, sempre, visar à singularidade do sujeito. Assim, é necessário
que o analista trabalhe com aquilo que o sujeito inventou para comunicar-se, isto é, que o analista
consiga “tornar como objeto de escuta uma fala que, muitas vezes, apresenta-se por manifestações
verbais e motoras, como sons, gritos e agitações, o endereçadas a um outro.(Azevedo & Nicolau,
2017, p. 14).
CONCLUO
Por fim, as pesquisas sobre a interface entre psicalise e autismo que venho desenvolvendo,
reiteram a necessidade de considerar a experncia e os relatos dos próprios autistas, reafirmando
que o como reduzir um sujeito a um diagnóstico. A vio da clínica da psicanatica reside,
portanto, em uma intervenção que respeite a singularidade do autista, de ser e de estar no mundo,
propondo uma escuta atenta a um discurso que pode ser verbal, ou o verbal, apresentando um
setting terautico acolhedor, buscando desta forma uma aproximação delicada e não invasiva.
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