Revista Subjetividad y Procesos Cognitivos

ISSN electrónico: 1852-7310

Vol. 27, Nro. 2 “Análisis del Discurso y del Lenguaje”

(Julio-Diciembre, 2023)

Fecha de Recepción: 20 de septiembre del 2022

Fecha de Aceptación: 7 de noviembre del 2023


Linguagem enquanto Discurso conforme Michel Foucault: Uma revisão de literatura

El lenguaje como discurso desde Míchel foucault: una revisión de la literarura

Language as Discourse according to Michel Foucault: A literature review


Créscia De Faria Morais1


ARK-CAICYT: http://id.caicyt.gov.ar/ark:/s18527310/842mz8o2t

Resumo

Este estudo se propõe a mostrar que o francês Michel Foucault, em todas as suas obras, oferece ferramentas para que sejam compreendidos, sob diferentes óticas, os problemas da sociedade por meio de interpretações sobre o viver humano. O objetivo dessa revisão de literatura é entender de que forma o discurso organiza as vozes dos sujeitos, como reelabora os discursos proferidos e os faz circular segundo Foucault. Apresenta-se conceitos básicos da Análise de Discurso iniciada na França por Michel Pêcheux em 1969. O estudo percorre as obras em idas e vindas, com apoio em vários autores como Pêcheux e Mainguineau que ajudam na compreensão e na aproximação entre método, teoria e prática. Conclui-se que a obra de Michel Foucault assinala que tudo o que é criado como saber oferece inúmeras possibilidades de recriação e está em permanente processo de transformação.

Palavras-chave

Michel Foucault; Análise de Discurso; Formação Discursiva.

Resumen

Este estudio tiene como objetivo mostrar que el francés Michel Foucault, en todas sus obras, ofrece herramientas para comprender, desde diferentes perspectivas, los problemas de la sociedad a través de interpretaciones del vivir humano. El objetivo de esta revisión de la literatura comprender cómo el discurso organiza las voces de los sujetos, cómo reelabora los discursos pronunciados y los hace circular según Foucault. Presenta conceptos básicos del Análisis del Discurso iniciado en Francia por Michel Pêcheux en 1969. El estudio recorre las obras, con el apoyo de varios autores como Pêcheux y Mainguineau que ayudan a comprender y unir método, teoría y práctica. Se concluye que la obra de Michel Foucault destaca que todo lo creado como conocimiento ofrece innumerables posibilidades de recreación y se encuentra en un permanente proceso de transformación.

Palabras clave

Michel Foucault; Análisis del discurso; Formación discursiva.

Abstract

This study aims to show that French Foucault, in all his works, offers tools to understand, from different perspectives, the problems of society, through interpretations of human living. The objective of this literature review is to understand how discourse organizes the subjects' voices, how it reworks the speeches given and makes them circulate according to Foucault. It presents basic concepts of Discourse Analysis initiated in France by Michel Pêcheux in 1969. The study goes back and forth through the works, with support from several authors such as Pêcheux and Mainguineau who help in understanding and bringing together method, theory and practice. It is concluded that Michel Foucault's work highlights that everything created as knowledge offers countless possibilities for recreation and is in a permanent process of transformation.

Keywords

Michel Foucault; Discurse Analysis; Discursive Formation.


Durante a trajetória do conhecer e saber, percorre-se desafios encontrando, gradativamente, novos rumos e novas indagações. É assim que os seres humanos crescem, é assim que dão sua parcela de contribuição à sociedade como sujeitos em busca do conhecimento. As abordagens discursivas são importantes ferramentas teórico-metodológicas para entender os fenômenos psicológicos e sociais. Segundo o Dicionário Aurélio (1986), teoria significa ação de contemplar, examinar, especular. Também pode ser entendido como forma de pensar e entender algum fenômeno a partir da observação. O termo é aplicado a diversas áreas do conhecimento, sendo que em cada área possui uma definição específica. Uma teoria jamais é uma expressão da realidade, mas um modelo através do qual essa realidade pode ser descrita e compreendida.

Entre as razões que levam a estudar Análise de Discurso conforme Foucault, doutor em Psicologia Patológica, está a revolução linguística que ele provocou, está seu permanente convite para que se olhe as coisas, as instituições, os discursos, os gestos, questionando o que está naturalizado, banalizado no cotidiano, e convidando a buscar novas formas de pensar (Morais, 2009). A Análise de Discurso da linha francesa surgiu no final dos anos 60 como crítica aos estudos da linguagem da época e, desde então, atravessando fronteiras, tem demonstrado ser um campo fértil de pesquisa (Morais, 2016).

A Análise de Discurso é utilizada para analisar toda espécie de discurso, para recriar tipologias, para revelar sentidos aparentemente ausentes dos textos, para trazer à tona os interesses que movem a construção de certos sentidos e o silenciamento de outros (Brandão, 1991). Tal como os demais métodos, não traz uma receita pronta, totalmente fechada, tal como o compreende Orlandi (2007): requer inteligência, imaginação e criatividade

O objetivo desse estudo é investigar, de acordo com Foucault, de que forma o sujeito organiza o discurso, como reelabora os discursos proferidos e os faz circular nos lugares. Tenta-se mostrar a capacidade de escrita e de compreensão dos dizeres no momento atual, já que as escolhas teóricas são decorrentes do momento de vida em que se busca novas interpretações, novas relações com o universo linguístico e social. Partindo do que foi falado e do que foi silenciado e do que se falou ao silenciar, busca-se múltiplos regimes de verdades conforme o tempo e o espaço (Orlandi, 2009).

O francês Michel Foucault trabalhou durante muito tempo como psicólogo em hospitais psiquiátricos e prisões. Concentrou seus estudos nos sistemas prisionais, na loucura, na medicina. Foi por meio da tese defendida no doutoramento, História da Loucura (1961) que ele se firmou como filósofo, embora preferisse ser chamado de “arqueólogo” - arqueólogo do silêncio imposto ao louco; arqueólogo da visão médica na obra O Nascimento da Clínica (1963); arqueólogo das Ciências Humanas em As palavras e as coisas (1966) e do saber em geral no livro Arqueologia do saber (1969). (Machado, 1988).

Foucault procurou centrar-se em espaços institucionais, por exemplo hospitais, onde articulou o saber médico com instâncias sociais como a família e a Igreja. A fase arqueológica representada nas obras História da loucura, O nascimento da clínica, As palavras e as coisas e a Arqueologia do Saber revelam a homogeneidade dos instrumentos teórico-metodológicos que o autor usou e as articulações dos saberes com a estrutura social e, assim, ele abriu um novo caminho para as análises das ciências (Machado, 1988).

Os escritos de Foucault ensinam que o discurso se fundamenta em um discurso prévio que faz parte da Formação Discursiva que, por sua vez, é uma rede, pois em função dos acontecimentos, novos sentidos são construídos a cada discurso: um é construído pelo outro tanto pela língua como pela história. Cada sociedade aceita um tipo de discurso como verdade, dependendo do status de quem o diz (Brandão, 1991).

Método

O presente estudo, com abordagem qualitativa, é uma revisão bibliográfica descritiva que busca melhor entendimento sobre a Análise de Discurso da linha francesa. O ponto de partida para uma abordagem composta de teorias e conceitos sobre o tema foi a vasta obra de Michel Foucault, especialmente aquelas que fazem parte de sua fase arqueológica: História da Loucura, O nascimento da Clínica, as Palavras e as Coisas e a Arqueologia do Saber. Essas obras foram escolhidas após a elaboração de uma lista de fontes prováveis de informações relevantes. E, somadas a obras de Michel Pêcheux e Maingueneau se tornaram o apoio teórico que sustentam os argumentos.

Esboço histórico da Análise de Discurso

A proposta de um novo objeto chamado “discurso” surgiu com o filósofo francês Michel Pêcheux (1938-1983) nos anos 60 do século XX. A intenção era tomar o discurso como oposição à Análise de Conteúdo, tão difundida na área das Ciências Humanas, as quais concebiam o texto na sua transparência, apenas enquanto projeção de uma realidade extra discursiva, indiferente às articulações propriamente linguísticas e textuais (Lima, 2003).

Na época, Pêcheux trabalhava em um laboratório de Psicologia Social e sua ideia era produzir um espaço de reflexão que colocasse em questão a prática isolada das Ciências Humanas. Para tanto, sugere que as ciências se confrontem, particularmente a história, a psicanálise e a linguística. Este espaço de discussão e compreensão é chamado de “entremeio”, e o objeto que é estudado aí é o discurso. Assim, é no entremeio das disciplinas que é proposta a reflexão discursiva (Pêcheux & Fuchs, 1975).

Conforme Maingueneau (1993), já nos formalistas russos há uma abertura para o estudo do que seria posteriormente chamado de discurso. Ao operar com o texto, buscando nele uma lógica de encadeamentos, eles superam a abordagem filológica então em vigor nos estudos sobre a língua. Porém, os seus seguidores, os estruturalistas, ao propor o estudo da estrutura no texto, excluem qualquer reflexão sobre sua exterioridade. No entanto, foram os estudos de Pêcheux, através de suas preocupações com o “instrumento”, que forneceram uma base teórico-metodológica para o desenvolvimento da Análise do Discurso. O estruturalismo, representado pela abordagem de Pêcheux, trata a abordagem e o evento discursivo como meros exemplos de estruturas discursivas.

Contemporâneo a Pêcheux está Foucault (1926-1984), também na França, e também incomodado por questões semelhantes, mas propondo uma outra via de compreensão que ele também chama de discurso. Porém, o discurso de Pêcheux não é o mesmo discurso de Foucault, são diferentes possibilidades de compreensão de um problema posto diferentemente por cada autor, o que significa que não há uma teoria mais aceita atualmente, mas sim caminhos teóricos que respondem às reflexões que se apresentam (Lima, 2003).

Foucault (2009) criou um discurso em que coexistem o papel de objeto, submetido à ação da natureza, e de sujeito, capaz de modificar o mundo, mas nega a possibilidade dessa convivência. Segundo ele, há apenas sujeitos que variam no tempo e no espaço, dependendo de suas interações.

Três fases se sucederam nos escritos de Foucault: a fase da arqueologia, marcada pela análise dos discursos em busca de um saber que não foi sistematizado; a fase genealógica, que dá ênfase na passagem do que é proibido para o que é tolerável; a fase ética, que aborda as práticas por meio das quais os seres humanos exercem a dominação e a subjetivação (Machado, 1988).

Machado (1988), é possível compreender a arqueologia em um continuum se considerarmos as três obras anteriores à Arqueologia do saber, que representam cada fase da trajetória arqueológica do autor:

1ª fase – História da loucura (1961)Apresenta um novo olhar sobre o discurso. A obra responde à pergunta sobre como a loucura é percebida pelas políticas institucionais. Definiu as regras de formação dos objetos com a finalidade de individualizar o discurso da loucura. Em meio a muitos discursos, o isolamento do louco por motivos morais permitiu uma primitiva percepção da loucura que se desenvolve em formulações de conhecimento e saber). Essa obra estabelece as condições históricas das possibilidades dos discursos nas diversas épocas da sociedade. Revolucionou a maneira de pensar a psiquiatria ao explicar a loucura como um produto social.

2ª fase – O nascimento da clínica (1963) - Foucault prossegue as análises arqueológicas, mas seu objeto não é mais a loucura, mas a doença em geral; não mais a psiquiatria clássica, mas a medicina moderna, através de uma nova visão médica que investiga o corpo doente, não só os sintomas. Estuda a transformação do discurso médico, mostrando que há novas maneiras de ver e de dizer.

3ª fase – As palavras e as coisas (1966)Foucault privilegia o estudo das regras que formam os conceitos e realiza uma análise arqueológica das ciências humanas: psicologia, sociologia, antropologia. As ciências empíricas, como a biologia que tem por objeto a vida, modificam a condição do homem como sujeito e objeto do saber. Enquanto o homem vive, trabalha e fala, constroi representações sobre a vida, o trabalho e a linguagem. Foucault determina os conceitos fundamentais que tornam as ciências humana existentes como saber. No Prefácio, Foucault promete que os problemas metodológicos do homem como sujeito e objeto do saber, mostrados pela arqueologia, serão estudados no livro seguinte.

A obra subsequente, A arqueologia do saber, tem como objetivo explicar o método para entender a ordem interna que constitui um determinado saber. É o entendimento de como certos campos do conhecimento como a medicina, a gramática e a própria ciência puderam existir como tais. Muitas vezes, para determinar um saber, a análise arqueológica transita por diferentes conceitos de diferentes saberes.

O interesse de Foucault (2009) volta-se para o discurso pronunciado, real, que se apresenta como a materialização do pensamento e dos sentimentos. Procura distinguir a arqueologia de outros tipos de análise discursiva, redefine a história arqueológica como história dos discursos, enquanto expõe o método arqueológico a partir dos seus objetos: discurso, enunciado e saber. Os sujeitos e os objetos existem a partir do discurso sobre o que se fala sobre eles, por exemplo, o corpo passou a ser percebido como um conjunto de órgãos quando a medicina começou a falar sobre ele, a discursivizá-lo. Logo, para Foucault, não há saber sem uma prática discursiva definida.

A ação discursiva

O ponto de partida d’A Arqueologia do saber (2009) é explicitar como os discursos aparecem historicamente e quais as condições de existência do discurso. Conforme as regras, uma Formação Discursiva (FD) é tudo aquilo que é dito em oposição ao que não deve ser dito. Um enunciado pertence a uma FD e um conjunto de enunciados constitui o discurso. O discurso não é a manifestação de um sujeito que pensa e fala com autonomia. O que se materializa no discurso são as posições de sujeito que se definem, conforme Foucault, pela situação que ele ocupa em relação aos diversos grupos (Foucault, 1995).

Os discursos são elaborados, segundo o interesse do momento, nos diversos lugares ou posições que pode ocupar dentro de um determinado campo discursivo, por exemplo, o discurso de um psiquiatra ao diagnosticar uma doença mental. Existem razões para que ele exista e existem razões para que outro discurso não exista. A mesma ideologia que determina a existência de um determina o ocultamento de outro (Orlandi, 2008; Morais, 2009).

Para compreender como se efetuam as relações entre os enunciados nos campos de saber, Foucault (2009) lança mão de hipóteses negativas em relação a regras de formação da unidade discursiva:

O “objeto” do discurso não constitui a sua unidade. Por exemplo, na obra História da loucura (2010), a unidade do objeto loucura não constitui a unidade da psicopatologia - o objeto é construído a partir do que se disse sobre ele. Ele não preexiste.

Os “enunciados” não são critérios para organizar determinado discurso e, para comprovar, Foucault busca as regras que permitem enunciados no discurso dos médicos. Por exemplo, o discurso do médico é legítimo no hospital, no laboratório e na biblioteca onde ele busca informações na literatura médica. No Nascimento da clínica (2008), aparecem as modificações nos enunciados do discurso médico ao longo do tempo.

As relações discursivas não possuem um sistema fechado de “conceitos” compatíveis entre si que sirvam de modelos para outros discursos. Outros conceitos surgem, várias vezes contraditórios. A análise de um texto ou de uma fala mobiliza conceitos que outro analista não mobilizaria, tendo em vista suas outras questões (Orlandi, 2007) Se na análise buscasse respostas a uma questão diferente, mobilizaria conceitos diferentes. Esses conceitos são construídos segundo uma cultura e são constantemente modificados através dos seres humanos.

O “tema” único não é característica da individualização do discurso, pois ele pode formar subconjuntos com vários temas e um tema pode produzir mais de um discurso. A Análise de Discurso articula a enunciação conforme a identidade dos parceiros do discurso – os sujeitos. Não existe o sujeito sem o discurso, pois é este quem cria um espaço representacional para aquele (Lima, 2003).

A visão de Foucault (2009) é de que a verdade e o poder estão interligados através de práticas específicas. Ao conceituar poder e saber, Foucault distancia-se das definições convencionais. Ele inverte a articulação convencional na qual o poder funciona apenas de forma negativa; o saber, nessa perspectiva, serve de contra-ataque aos males do poder. Foucault (2009) assim conceituou o saber:

Um saber é aquilo de que podemos falar em uma prática discursiva que se encontra assim especificada: (...) um saber é, também, o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa o discurso (...) um saber é também o campo de coordenação e de subordinação dos enunciados em que os conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam (...), finalmente, um saber se define por possibilidades de utilização e de apropriação oferecidos pelo discurso. (p. 207).

Foucault, no livro A ordem do discurso – aula inaugural no Collége de France, pronunciada em 02 de dezembro de 1970 - nos faz refletir sobre questões desafiadoras como a “verdade” e a relação “poder-saber”. Ele afirma que o poder não é necessariamente repressivo, já que induz, facilita ou dificulta, aumenta ou limita. Além disso, o poder é exercido e não possuído e, assim, ele circula. No decorrer de seu discurso, Foucault indaga onde está o perigo de as pessoas falarem e de seus discursos proliferarem. Através desse questionamento, ele nos leva a refletir sobre os discursos que estão em pauta no nosso cotidiano.

Os indivíduos vão “apreendendo” ideias e valores em nome de um discurso proferido como válido pelas famílias e pelas instituições. Assim, esses discursos pretendem incutir no homem o papel que ele precisa desempenhar na sociedade. Percebe-se que Foucault quer alertar, levantando alternativas sobre a visão de homem que reina no mundo e que o discurso coloca esse homem numa trilha como sendo o caminho da verdade, ou seja, o caminho que interessa ao poder (Machado, 1988).

O livro A ordem do discurso (1996), Foucault faz menção também às “sociedades do discurso” cuja função era conservar ou produzir discursos, para fazê-los circular em um espaço fechado segundo regras estritas. O número de indivíduos que falavam, mesmo não sendo fixado, tendia a ser limitado. Só entre eles o discurso poderia circular e ser transmitido. Mesmo não existindo mais essas “sociedades do discurso”, com esse jogo ambíguo de segredo e de divulgação, Foucault alerta para que ninguém se deixe enganar, mesmo na ordem do discurso publicado. É possível que o ato de escrever institucionalizado no livro, no sistema de edição e no personagem do escritor tenha lugar em uma “sociedade do discurso” difusa, talvez, mas certamente coercitiva. Ao final de seu discurso, Foucault retoma ao início quando diz que preferia ser envolvido pela palavra do que fazer uso dela.

Conforme Orlandi (2007), as condições de produção abrangem sujeitos e as situações em que a memória os aciona. Pêcheux (1983) e Foucault (2009) falam que, em relação ao sujeito, há dois esquecimentos no discurso. O primeiro vem do inconsciente, no momento em que o sujeito acha que está criando tudo que diz; no entanto, ditos preexistentes aconteceram antes dele ser sujeito, ele não é a gênese absoluta do discurso, pois quando ele nasceu os discursos já existiam. O segundo esquecimento é da ordem do semiconsciente: o sujeito escolhe uma parte do discurso em detrimento de outra. Tudo depende do discurso do outro, do tempo e do espaço em que está inserido.

Orlandi (2007) esclarece que o discurso são pensamentos e sentimentos materializados. O sujeito apresenta o discurso dessa ou daquela maneira dependendo de leituras anteriores, do meio em que vive e de suas experiências pessoais, fazendo uma seleção e dando-lhe novo formato conforme seus interesses. Para a análise do discurso, o que interessa não é a organização linguística do texto (análise de conteúdo), mas como o texto demonstra os significados da história na vida do sujeito em sua relação com o mundo. Logo, a noção de sujeito não pode estar dissociada da noção de discurso, já que é nas práticas discursivas no meio social que o ser humano se transforma em sujeito do discurso.

Para Foucault, a verdade e o poder são constitutivos do saber científico, por isso não se pode pensar no poder como uma forma única, global, mas sim como uma prática social que só funciona e se exerce em rede, isto é, para que o poder ou as relações de poder se constituam, é preciso que alguém detenha, comande e domine tais relações, assim como se faz necessário alguém que se submeta, sujeitando-se às ordens impostas e determinadas por aqueles que estão no topo dessas relações. Conforme afirma Foucault, uns estão sempre exercendo poder sobre os outros. Por isso o sujeito não pode ser concebido fora das relações de poder e, consequentemente, fora das práticas discursivas e sociais, incluídos aí os espaços institucionais. (Machado, 1988)

A mídia e a ciência, por exemplo, realizam seu discurso como instâncias de poder, embora de maneira diferenciada. A ciência procura exercer o seu poder sobre a mídia, tentando controlar, impor os limites do dizer científico, para que nenhum enunciado produza um sentido indesejado, que escape da verdade e do saber objetivo. A mídia, por sua vez, resiste a esse poder, também impondo a sua verdade, a sua interpretação sobre os dizeres técnicos da ciência. Aí funcionam, então, duas fortes instâncias de poder, as quais resistem, lutam como podem, a partir do lugar social/institucional que as legitima, cada uma a sua maneira, para administrar os sentidos dos discursos (Morais, 2016).

Fischer (2001) aponta a mídia como participante decisiva na formação do sujeito contemporâneo. Ou seja, por um lado, o que é expressado pelos meios de comunicação está alicerçado em saberes, em regimes de verdades que trazem significações e sentidos a determinadas práticas sociais, ao mesmo tempo em que a expressão de novos discursos induz à constituição de novas práticas e novos regimes de verdades. Isso confirma que os saberes não são cristalizados; eles sofrem transformações constituindo-se novos discursos e novas práticas, o que envolve mudanças.

Considerando o exposto sobre as noções de sujeito, discurso e poder em toda a obra de Foucault, pode-se fazer um estudo mais profundo sobre a teoria da Análise de Discurso fundada por Pêcheux. Se, para Foucault, a questão central de suas pesquisas é a noção de sujeito, para Pêcheux, a reflexão central de toda sua obra está na noção de discurso, incluída aí a noção de sujeito, já que, para a Análise de Discurso, não há discurso sem sujeito (Machado, 1988).

Para construir a noção de discurso, Pêcheux apoia-se criticamente no linguista Saussure, reconhecendo nele o fundador, o ponto de origem da ciência linguística. Saussure (1969) atribui à língua, concebida como um sistema, o conceito de objeto dos estudos linguísticos, excluindo a fala desse campo. A língua se opõe à fala, sendo a primeira sistêmica e objetiva; e a segunda concreta, variável de acordo com cada falante e, por isso, subjetiva. Para Saussure, então, a língua é um sistema de valores depositado como produto social na mente de cada falante de uma comunidade. Diferente do discurso que, para ele, é um ato individual sujeito a fatores externos, muitos desses não linguísticos e, portanto, não passíveis de análise.

O histórico e o social também são considerados elementos constitutivos da noção não só de FD, mas também da noção de discurso e de sujeito no âmbito da teoria pecheuxtiana. Assim, o que marca o principal distanciamento entre o conceito de FD em Foucault e Pêcheux é a inscrição do ideológico nas reflexões deste último autor (Pêcheux & Fuchs, 1975). É possível pensar numa articulação entre o conceito de formação social e formação ideológica, cunhadas por Pêcheux, e as relações de poder abordadas por Foucault (1995).

Então, a história intervém de forma decisiva nas relações de poder, que não estão centralizadas num único lugar social, mas estão dispersas nos mais diferentes lugares sociais, através das práticas discursivas, podendo tanto representar uma posição de dominante como de dominado (Morais, 2009)

O lugar social que o sujeito ocupa numa determinada formação social e ideológica, que está afetada pelas relações de poder, vai determinar o seu lugar discursivo. Logo, o ideológico, o histórico e o social, que é onde estão inscritas as relações de poder, não podem ser tratados separadamente, tampouco como algo exterior à prática discursiva. Ao contrário, a ideologia, a história e o social constituem essa prática discursiva, na qual as relações de poder encontram-se em confronto (Morais, 2016).

Segundo Orlandi (2007), existem razões para que um discurso exista – mais do que isso, existem razões para que outro discurso não exista. A mesma ideologia que determina a evidência de um determina o ocultamento de outro, como foi exposto anteriormente por meio da abordagem de Pêcheux. Entre as inúmeras possibilidades de formulação, os sujeitos escolhem dizer dessa ou daquela maneira.

Vê-se, portanto, como a noção de sujeito não pode estar dissociada da noção de discurso, já que é nas práticas discursivas, as quais são determinadas pelas práticas sociais, que o ser humano se transforma em sujeito do discurso. Cada indivíduo, enquanto sujeito, é um efeito, uma construção de poder. Nesse sentido, cada um faz não o que quer, mas aquilo que lhe cabe na posição de sujeito que ele ocupa num dado momento (Brandão, 1991).

Conforme Orlandi (2007), talvez não saibamos o QUE um texto diz, mas podemos descobrir COMO está dizendo. Sendo assim, quando um médico chega para o paciente e diz: “Como vai você?”, o texto é dito como um cumprimento e não como uma pergunta sobre sua saúde.

Pela ótica da Análise de Discurso, os sujeitos pronunciam-se de um lugar determinado, o lugar de onde falam, e falam por meio das formações discursivas. Assim, o que é dito em uma entrevista, em determinado palco, para um público, não significa a mesma coisa em uma outra entrevista, em outro palco e para outro público (Orlandi, 2008).

Notas Conclusivas

Aos poucos, com sabor de descoberta, o estudo foi sendo construído, desacomodando convicções já questionadas; buscando novas formas de dizer, de olhar as coisas, de fazer e de conviver; descobrindo que não existe autora individual, mas autora social. A luta de saberes pareceu evidente nos discursos: saberes que se sobrepõem a outros saberes; saberes que se colocam em luta para se tornarem visíveis socialmente. Então, essa circulação de saberes incita a pensar que se vive num espaço social onde estão presentes conflitos que buscam (des)acomodar saberes e limites, ao mesmo tempo em que, ao apontar novas possibilidades, também impõem novos limites.

O estudo das ideias de Foucault evidenciou não haver sinonímia entre Estado e Poder, as análises apontaram que o aparelho do Estado não é capaz de transformar as características essenciais da rede de poderes de uma sociedade. O poder para Foucault não é uma “coisa” natural, é uma prática social constituída historicamente por isso produz o comportamento dos homens.

Análise de Discurso não é só pensamento, instrumento de comunicação, linguagem, é um ato social carregado de conflitos. O sujeito ilude-se achando que o discurso está nascendo com ele, mas seu processo discursivo começou a partir de sentidos anteriores já inseridos na sociedade.

Pode-se enquadrar Foucault como um pensador, já que ele faz uma filosofia crítica do pensamento, uma filosofia moderna e uma análise das condições em que são modificadas certas relações entre o sujeito e o objeto.

Senti-me privilegiada por transitar por caminhos diferentes e satisfeita por ter tido a coragem de fazê-lo em busca do novo. Meu maior aprendizado foi entender que não existe verdade única.


Referências Bibliográficas

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1 Especialista em Psicologia Junguiana pela Faculdade de Ciências da Saúde. São Paulo; Especialista em Neuropsicologia Clínica pela Faculdade de Educação e Meio Ambiente, Rondônia; Master of International Education in Framingham State College in Massachusetts; Mestra em Psicologia pela Universidade Católica de Brasília. Email de contacto: cresciamorais@hotmail.com

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